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Capítulo 6: Poder do fracasso

O poder da independência reverberou nas colônias americanas, crescendo como uma onda que derrama sua espuma pela humanidade. Foi poético e caótico. Ao mesmo tempo o o barulho dos corredores do departamento parecia mais intenso, como uma tempestade prestes a desabar.
– Epifania! – a voz ecoou como um trovão – O que você fez? Sabe o que causou com essa sua ideia? Além de mexer no equilíbrio do departamento, você simplesmente deu início a uma revolução! De novo enviou uma ideia mal arquitetada para a Terra. Como pode ser tão arrogante?
Epifania congelou.
Lume não deu espaço para desculpas. Foi direto e afiado:
– Está demitida. Chega. Já causou confusão demais. Não podemos ter alguém tão inconsequente trabalhando aqui. Nosso trabalho é muito importante para você lidar como se fosse uma brincadeira. Bem na hora que eu queria começar a gostar do seu jeito. Mas, não. Não há lugar para você aqui. Muito inconsequente.
Aquelas palavras foram um golpe. O chão se abriu. Não literalmente, claro. Era o céu, até as demissões por ali têm classe. Entretanto, pela primeira vez, Epifania sentiu o gosto do fracasso.
Era amargo. Seu corpo estava rígido, suas asas vibravam lentamente, como se estivessem esgotadas. Ao sair da sala, experimentou também o peso da humilhação. Aqueles que antes passavam por ela como se fosse invisível, agora a olhavam com um olhar de reprovação. Cada passo dado era o único barulho do local. Tum, tum, tum. Os passos e cochichos dos outros assistentes que a observavam de longe.
O cantinho secreto, seu plano, tudo desmoronou. De uma só vez. Instantaneamente ela sentiu saudades da monotonia do trabalho com Lume. Bem que sua mãe dizia a seus irmãos que só damos valor a algo quando perdemos. Droga, pensou, não queria aprender assim.
Quando chegou em casa, seus pais a esperavam. Eles nunca entenderam seu lado criativo, muito menos sua intuição. Sempre a criticaram por ser “distraída” e “rebelde”.
– Você perdeu o emprego? – Gritaram em uníssono.
Eles já sabiam de tudo, claro. As notícias de uma demissão em qualquer departamento era como um terremoto que gerava um tsunami de fofocas. A última demissão ocorreu no Departamento do Silêncio, quando um dos compositores compôs um silêncio tão profundo que, durante uma reunião entre os anjos, ninguém conseguia ouvir seus próprios pensamentos. Por alguns minutos, todo o céu ficou tão quieto que até as nuvens pararam de flutuar. Foi o caos. O compositor responsável foi imediatamente demitido por “excesso de silêncio”e redirecionado para o Departamento de Sons Ambientes de Elevadores, onde seu talento para criar um som que não incomoda, mas também não inspira, seria mais apropriado.
Imagina ser rebaixada ao ponto de ter que parar em um departamento embaraçoso como aquele? Para onde eles poderiam reposicioná-la que a faria desmaiar de vergonha?
– Agora, o que vamos fazer com você? O departamento era a sua chance e você jogou fora!
Epifania sentiu o peso da tristeza em suas asas. Como era ruim ver a decepção no rosto dos seus pais. Ela já estava acostumada com sua própria família não entender seu impulso de criar. No entanto, ver o nariz deles se retorcendo de desgosto era o fim. Estava sem trabalho, sem rumo e tendo que enfrentar a frustração escancarada em todos eles.
O fracasso parecia definitivo.
Uma semana se passou com Epifania trancada no quarto. O medo de esbarrar com alguém com a cara amarrada no corredor só não era maior do que a solidão que sentia por ninguém a entendê-la.
Bateram em sua porta. Silêncio. Escorregaram uma carta por baixo. Mais silêncio. Epifania pegou a carta com as mãos trêmulas, o coração batendo rápido. O selo do Departamento de Ideias indicava que seria uma carta formal.
Epifania,
Após uma cuidadosa revisão de seus atos recentes e do impacto que suas ideias geraram, foi decidido que você será direcionada ao Arquivo Geral. Lá, sua tarefa será catalogar e organizar todas as ideias já pensadas na história da humanidade. De arquiteta, você passará a ser arquivista. Sinceramente, que este período lhe ensine a responsabilidade e o valor do processo. No Arquivo, sua criatividade será contida e direcionada. Reflita sobre este fracasso e quem sabe, ele pode ser sua oportunidade de se endireitar.
A assinatura no final era firme, inconfundível: Lume.
Epifania segurou a carta por alguns minutos. Incrédula. Sua demissão havia sido formalizada, e o tom paternalista de Lume deixava claro que ele acreditava ser o certo.
Epifania inspirou profundamente, dobrando a carta com cuidado. O rebaixamento era esmagador, sem espaço para intuição. Ela nem tinha contado para ninguém a invenção da sua palavra… Tão bonita e desperdiçada… Sua criatividade seria confinada a um trabalho burocrático. Definitivamente.
Lume disse que fracassar poderia ser uma oportunidade de aprendizado, só que nada nessa história parecia reconfortante naquele momento. Talvez, pensou, fracassar fosse mais do que só um castigo. Não uma marca permanente, mas uma ferramenta. Ou algo do tipo. Ela queria se consolar de alguma forma.
A queda a ensinava a ter cautela, mas também a repensar, recalcular, reinventar. Com isso em mente, Epifania fechou os olhos, sentindo uma faísca de esperança. Ela havia falhado, sim. Contudo, naquele fracasso, poderia estar o embrião de algo que ainda não conseguia ver.
O fracasso poderia não ser o fim.
Muito menos definitivo.
Continua…